Uma defesa do lifestyle business
e a escolha entre buscar estrelas Michelin ou organizar jantares em Versalhes
A palestra de um dono de empresa de tecnologia
Há algumas semanas, vi o vídeo da primeira - e provável última - participação de David Heinemeier Hanson na Startup School de 2008, da Y Combinator.
O que mais me impressiona em pessoas como DHH e seu sócio Jason Fried é a consistência em seu discurso e defesa de ideias. Se você fechar os olhos e ouví-los falando, dificilmente vai saber se está ouvindo algo dito em 2008 ou 2024.
David é criador do Ruby on Rails e um dos donos da 37Signals, uma empresa de tecnologia que nunca captou investimento externo e lucra dezenas de milhões de dólares todos os anos.
Há mais de quinze anos, ele critica o discurso dominante no mundo de tecnologia que defende que empresas financiadas por venture capital são inerentemente superiores aos chamados “lifestyle businesses”.
Segundo ele, a prevalência da mentalidade de venture capital em tecnologia cria uma visão distorcida de quais negócios são realmente bem-sucedidos.
A história de um dono de restaurante
Na mesma semana assisti o quarto episódio de uma série chamada Ramsay's Boiling Point, que foi ao ar em 1998.
O episódio conta a história de um jantar coordenado por Gordon Ramsay, no Palácio de Versalhes. O jantar para 800 pessoas - inclusive Pelé - foi organizado na véspera da final da Copa do Mundo de 1998 entre Brasil e França, e custou em torno de 1000 libras por cabeça.
O evento parecia o sonho para qualquer chefe de cozinha: servir um público de elite em um dos locais mais prestigiosos do mundo. O jantar foi um grande sucesso de acordo com a mídia, e Ramsay foi bastante elogiado pelos organizadores do evento:
“O chefe deveria estar muito feliz. Não há nada do que se envergonhar. Ele realmente se cobriu de glória esta noite.”
Gordon Ramsay é um defensor radical da excelência na cozinha. Em 1998, ele ficou famoso por sua obsessão implacável para conquistar a terceira estrela Michelin em seu primeiro restaurante, premiação de maior prestígio da gastronomia internacional. Esta foi a opinião dele sobre o jantar em Versalhes:
"Esse jantar foi um fracasso. Se alguém me oferecer 50 mil libras para organizar um próximo jantar, eu não aceitarei. Penso em quantas vezes dou bronca no Darren (Velvick) por não cozinhar um peixe direito, mas ele consegue cozinhá-lo à perfeição. Aqui, mandamos 357 robalos cozidos demais porque estávamos esperando uma pessoa se vestir de barata para uma maldita campanha de marketing. O que é mais importante? Dane-se os patrocinadores e o marketing, a qualidade da comida vem primeiro.”
Sucesso para fundador e investidor são coisas diferentes
O jantar em Versalhes explicita o embate entre o caminho do venture capital e do lifestyle business. No mundo de capital de risco criticado por DHH, fundadores são encorajados a buscar o prestígio de grandes rodadas de investimento e crescimento “exponencial”, mesmo que isso signifique perder o controle da qualidade do produto e da direção do negócio.
O modelo seguido por Ramsay em seus restaurantes foca na qualidade da comida, sua satisfação pessoal e busca por lucros. É um caminho que permite ao empreendedor manter independência e o controle sobre cada detalhe. É por isso que o jantar em Versalhes foi um sucesso para o organizador do evento, e ao mesmo tempo um desastre para Ramsay:
“Tudo o que posso dizer é que, graças a Deus, eu não tenho os inspetores do Michelin sentados aqui em uma mesa, me avaliando para a minha terceira estrela Michelin. Caso contrário, eu estaria perdido."
“Ah, seu negócio é apenas um lifestyle business”
Esta é a frase que eu escuto quando explico que a Linkana não está em busca de novos investidores, e que queremos tocar as coisas do nosso jeito. Ela vem com um tom de desdém, insinuando sutilmente que meu negócio é pequeno e eu não tenho ambição.
Para o mundo dos organizadores de jantares em Versalhes, isso pode ser verdade. Mas para mim, que já senti o gostinho do caminho de venture capital na minha empresa, faço das palavras de Gordon, as minhas:
“Eu nunca servi 357 refeições tão rápido assim na minha vida. Uma produção no modelo industrial. Aprendi bastante com a experiência. Aprendi que não quero nunca mais repetir isso. Foda-se o dinheiro. Prefiro o meu padrão de qualidade.”
DHH recusou múltiplas ofertas de investimento em sua empresa ao longo de décadas.
Ramsay conseguiu sua terceira estrela Michelin em 2001, mas nunca organizou outro jantar em Versalhes. Ele também nunca cedeu controle para investidores externos em seus vários negócios.
David é considerado por investidores de venture capital como um empresário de tecnologia arrogante e sem ambição, dono de um lifestyle business relativamente “pequeno” e sem expressão.
O que esses mesmos investidores diriam sobre Gordon Ramsay?
Se ter um lifestyle business significa valorizar independência, lucro e um produto que busca ser “três estrelas Michelin”, a Linkana é exatamente isso.
E para a opinião dos organizadores dos jantares em Versalhes, repito novamente as palavras de Gordon:
Foda-se o dinheiro. Prefiro o meu padrão de qualidade.
Vida longa aos negócios independentes!
Uma das maiores belezas de se construir um negócio de software é a capacidade de se financiar com dinheiro de seus clientes com margens altas e escalabilidade. É curioso como esse tipo de pensamento parece ser "contrarian" atualmente. Sem dúvidas o mundo seria um lugar melhor com mais empresas independentes (em funding e ideias) como a Linkana!
Animal!